Queimadas em florestas: Problemas que não acabam quando o fogo termina

Dados divulgados em junho de 2024 pela Coleção MapBiomas Fogo, da plataforma MapBiomas, apontam um dado alarmante: entre 1985 e 2023, quase 200 milhões de hectares foram queimados pelo menos uma vez no Brasil, o que representa 23% do território nacional.

Ainda segundo o MapBiomas, anualmente, cerca de 18,3 milhões de hectares são afetados pelo fogo. A chamada estação seca, entre julho e outubro, concentra 79% das ocorrências e, somente em setembro, ocorre um terço das queimadas no total.

Entretanto, em Piracicaba (SP), município sede do projeto “Corredor Caipira: Conectando Paisagens e Pessoas”, o número de queimadas em maio de 2024, dois meses antes do início da estação seca, já é muito preocupante: de acordo com a plataforma, foram queimados 222 hectares no período, o que supera o total de ocorrências de 2023, quando houve o registro de fogo em 212 hectares em todo o ano.

O “Corredor Caipira” é realizado pela Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq) e pelo Núcleo de Apoio à Cultura e Extensão Universitária em Educação e Conservação Ambiental (Nace-Pteca) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/Universidade de São Paulo (Esalq/USP), com patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental.

Em relação ao território nacional, o MapBiomas aponta que mais de dois terços da área afetada pelo fogo (68,4%), é composta por vegetação nativa. O engenheiro florestal e consultor florestal do “Corredor Caipira”, Girlei Cunha aborda os problemas gerados pelas queimadas em florestas e, principalmente, nas árvores.

Elemento mais evidente das queimadas em florestas

Girlei aborda o impacto do fogo sobre as árvores, que ele considera “o elemento mais evidente numa floresta”.

“Após um incêndio florestal, se uma árvore atingida pelo fogo não morrer, ela vai perder as folhas e parte de sua copa. Na Floresta Estacional, tipo de vegetação da Mata Atlântica em nossa região, é comum  aumentar a quantidade de biomassa de algumas espécies de lianas e cipós após distúrbios como um incêndio florestal. Estes cipós  normalmente acabam recobrindo as árvores que restaram em pé, afetando a sua recuperação. 

Se a árvore ainda estiver viva e for recoberta por lianas e cipós, sofrerá  forte competição por luz exercida pelos cipós, pois estes emitem ramos e folhas com maior rapidez em vista de aproveitarem o suporte das árvores. Caso os cipós acabem dominando a copa da árvore, esta terá pior sanidade e pode perder parte da sua copa ou mesmo cair, caso o peso da sobrecarga causado pela biomassa dos cipós torne-se maior do que a resistência dos galhos da árvore. Esse fenômeno não é raro, especialmente durante as ventanias”, diz.

Dificuldades para se recuperar

Outro ponto apontado pelo engenheiro florestal refere-se à serapilheira, que desempenha um papel essencial na dinâmica da floresta

“No chão da floresta, há uma camada de material orgânico formado por folhas, galhos, frutos e outros detritos vegetais, chamada de serapilheira, que é fundamental para o funcionamento da floresta. Quando ocorre um incêndio florestal, essa camada de sustentação da floresta é eliminada. Ao queimar essa camada de proteção, o solo fica exposto. Acima dessa camada de serapilheira, há uma camada de plantas menores, geralmente, indivíduos jovens de espécies tolerantes ao ambiente sombreado do sub-bosque da floresta.

Isso é preocupante para aquelas espécies que dependem desse banco de plântulas para a sua sucessão na floresta, que é eliminado por causa do incêndio. O futuro daquelas espécies que perderam parte de sua população mais jovem fica comprometido. 

Na Mata Atlântica de nossa região, as espécies das famílias Laurácea, Mirtácea, Rubiácea, que possuem grande diversidade de espécies, são particularmente sensíveis a esse grave risco ”, afirma.

Mais suscetível a novos incêndios

Cunha aponta, ainda, que a floresta que pegou fogo uma vez estará mais suscetível a novos incêndios.

“Isso porque, após um sinistro causado pelo fogo, a mata que resta apresentará  condições de microclima mais parecidas com as áreas sem vegetação. Com menos árvores, fica mais exposta às variações de temperatura e de umidade do ar, ressecando mais facilmente em períodos secos como neste outono de 2024.

Em Piracicaba, por exemplo, há atualmente uma cobertura florestal bastante pequena, de apenas 9%. E todas essas florestas que tem, são fragmentos. São remanescentes  de vegetação natural que sobraram e encontram-se cercadas por outros tipos de uso do solo, normalmente agropecuária.

No entorno dos fragmentos de floresta nativa na região de Piracicaba, geralmente existem capins com potencial de invasoras, como braquiárias ou capim-elefante. Esses capins  invadem  o espaço da floresta, aproveitando a maior iluminação. Os capins, na estação seca, tornam-se muito inflamáveis. Então, uma floresta que queimou dois, três anos atrás e que foi infestada por capim, está mais propensa aos incêndios florestais”, explica.

Problemas não acabam quando o fogo termina

Girlei Cunha diz que os incêndios florestais geram problemas que não acabam quando o fogo termina.

“Após o incêndio, começa uma outra fase, cujo rumo é desconhecido, pois depende de diversas variáveis, incluindo o histórico da mata, o tipo de vizinhança, fertilidade do solo, disponibilidade hídrica, etc. Mas, a princípio, imagina-se que sempre será pior. De certa forma, é  como se a vegetação florestal entrasse em um espiral de degradação, que em vez de recuperar, a vegetação natural torna-se mais enfraquecida e mais suscetível a novos distúrbios. 

Do ponto de vista das pessoas e dos proprietários rurais, essa desqualificação da vegetação natural pode resultar em mudanças de uso do solo, para agropecuária, por exemplo, o que é comum em várias  regiões do Brasil”, completa.

 

Escrito por Rafael Bitencourt, jornalista e coordenador de comunicação do Corredor Caipira